as coisas mudaram
as coisas mudaram. tanto aconteceu desde a última vez que eu estive aqui e Você continua me pedindo para voltar. tantas vezes eu falei que não sabia mais se acreditava que Você era real. tantas vezes eu usei a mesma boca que um dia liberou palavras de exaltação à Você para desonrar o Seu nome.
as coisas mudaram muito e em tão pouco tempo meu coração, que antes se enchia de confirmações, passou a duvidar até mesmo se o que eu havia sentido antes era verdade. se não era uma criação da minha cabeça, uma interpretação equivocada do que eu pensava ser o divino. enlouqueci.
perdi totalmente o controle da minha vida. perdi as certezas, perdi o caminho. já não sabia nem onde queria chegar, nem por qual caminho queria seguir, nem se queria continuar aqui. tentei não continuar. tentei tornar o meu existir em mera sobrevivência e passei dias a fio correndo atrás de preencher aquilo que não poderia ser preenchido.
corri incansavelmente atrás do vento, sem saber ao certo se um dia chegaria lá. e eu nem sabia onde o "lá" era. eu não sabia o que eu estava buscando, o que eu queria. onde eu estava. aos poucos, meu coração foi se fechando. meus olhos ficaram cegos para o desespero latente escancarado a minha volta, nas minhas próprias atitudes. deixei-me levar, perdida fiquei.
e na perdição a angústia se alastrou. fez raízes no meu coração e tornou a minha essência em insegurança. onde antes brotavam flores, agora só haviam pedras. todo tipo de vida foi sufocado pela ausência de algo que fizesse o solo fértil. olhei para os meus pés e me sentia afundar.
na lama, na incerteza, no mar de inquietações que se levantou dentro de mim. olhei ao redor e tudo o que consegui ver foi a tempestade. tudo o que consegui sentir era medo. de me afogar. de sumir. de ter vivido tudo em vão. eu sentia um medo tão forte e a cada minuto sentia uma parte de mim adentrar a escuridão, cada segundo a mais era uma parte a menos para se molhar. até que não sobrou nada.
a água era fria. o gelo cortava a pele, meus pulmões gritavam por ar puro, ar fresco, ar. e apesar da dor crescente em meu peito, ainda podia sentir a vida em mim. eu ainda não tinha ido, eu ainda estava aqui: presa por algum fio invisível à mera sobrevivência. quando achei que estava congelada, as coisas mudaram outra vez.
olhei para onde achei que era o céu e tudo continuava tão escuro quanto meus olhos poderiam ver.
então eu descobri o que nunca imaginei. descobri que o fundo era o melhor lugar. no fundo, eu ficava quietinha e só conseguia ouvir o silêncio. no fundo, quando o barulho do mundo cessava, quando os gritos dos desesperados desaparecia, eu conseguia te ouvir. e Você falou: vem.
Você me chamou mais uma vez e me mostrou que quando não sobra nada de mim, Você aparece. me mostrou que quanto mais fundo eu estou, mais perto de da Sua presença eu fico. me fez sentir a força de suas correntes, o barulho surdo da sua voz em meu coração. Você me carregou com braços de amor e me mostrou que ali, no fundo, sem ser nada, sem querer nada,, sem sentir nada, Você agia.
as coisas mudaram. no silêncio eu ouvi a Sua voz me pedindo para voltar. no fundo, sem saber onde as águas começavam e terminavam, eu consegui entender o quão fraca, quão suja eu estava. consegui perceber o meu coração pobre e mau. eu vi o quão fraca eu estava, mas Você me disse: eu não me importo.
Você me disse: "porque o Meu poder se aperfeiçoa na sua fraqueza, porque Eu te escolhi ainda no ventre da sua mãe e você é minha; porque foi para os doentes que eu vim trazer cura; para os cegos que eu vim trazer visão; para os fracos que eu vim trazer força; para os angustiados que eu vim trazer alívio. para você, filha, eu trouxe descanso. para você, eu trouxe santidade; para você, eu trouxe amor".
e então as coisas mudaram outra vez.